Plástico, água, radiação e o antimoniato. Com todo esses ingredientes dosados de forma precisa no laboratório, uma equipe do Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares) desenvolveu um curativo inteligente para tratar a leishmaniose cutânea, doença causada por um protozoário e que afeta 18 mil pessoas por ano no Brasil.
O produto, que será testado em animais nos próximos meses, usa a mesma droga já aplicada contra as feridas causadas pela leishmania hoje em dia. Mas ele tem uma vantagem importante em relação ao tratamento convencional, dizem os autores da pesquisa: em forma de hidrogel, ele tem liberação controlada na pele do paciente.
"O antimoniato hoje é injetável. E tem efeitos colaterais importantes. Com o curativo, a droga será liberada de forma lenta e gradual, no prazo de dias", diz Duclerc Parra, pesquisadora do Centro de Química e Meio Ambiente do Ipen.
O salto técnico incorporado ao produto, diz Parra, é a mistura de ingredientes presentes no gel. Quase tudo no curativo --92%-- é água contendo a droga. Os outros 8% são formados por material plástico.
Mas o polímero, quando recebe radiação gama por meio de uma fonte de cobalto, altera suas propriedades físico-químicas. "Ocorre a formação de uma rede em três dimensões na escala nanométrica", diz a química Maria José de Oliveira, outra autora do estudo.
Exatamente nessa rede imperceptível a olho nu o antimoniato e a água ficam retidos. Os testes feitos em laboratório mostraram com exatidão qual deve ser a mistura dos ingredientes do gel para que a droga seja liberada pela água em doses controladas. A radiação usada no processo, diz a dupla, ainda esteriliza o curativo.
Quando o produto estiver no mercado, diz Parra, a qualidade de vida de quem tem leishmaniose poderá melhorar.
A Leishmania, após ser inoculada pelo mosquito-palha nos seres humanos, além de causar feridas na pele- a versão cutânea da doença-, pode alojar-se em órgãos como o fígado (causando a leishmaniose visceral). Essa segunda versão da doença pode matar.
Dupla ação
O medicamento presente no gel, diz a dupla de cientistas, vai agir sobre os parasitas de duas formas. Além de forma tópica, matando os protozoários que estiverem na própria ferida, ele também chegará às demais regiões do corpo quando entrar na corrente sanguínea.
De acordo com as pesquisadoras, o fato de os géis receberem radiação gama não gera nenhum risco para as pessoas que, no futuro, receberem seus tratamentos via curativos.
Dentro do Ipen, a linha de pesquisa para imobilizar certas drogas em membranas plásticas também caminha em outras direções, diz Parra.
Projetos de pesquisa semelhantes ao da leishmaniose existem para o tratamento de glaucoma e também para a aplicação de cosméticos.
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